Produtores: Guaspari
O consumo per capita de vinhos no Brasil, segundo
o Anuário Vinhos do Brasil de 2015, da Ibravin, é de somente 2 litros anuais por
habitante. Muito pouco, se considerarmos, como referência, a França, líder do
ranking (42,51 litros/ano) ou nossos vizinhos argentinos (23,46 litros/ano).
Menor ainda se considerarmos o consumo dos vinhos ditos “finos”: 0,7 litros/ano
por habitante. Em outras palavras, o brasileiro consome anualmente o
equivalente a “quase” uma garrafa de vinho de boa qualidade (0,75 litros ).
Se o
cenário acima traçado não é muito animador, torna-se, porém, encorajador quando
verificamos que houve um constante aumento: se em 2010 consumíamos 1,6
litros/ano, em 2011 tivemos um salto de 0,5 litros , para 2,1
litros/ano, com ligeira redução em 2012 (2,0 litros ) e, agora,
estabilizados nesta quantidade. E, nos últimos 3 anos, enquanto o consumo dos
vinhos “de mesa” aumentou em 23%, o de vinhos “finos” subiu em 71%. Aos poucos,
estamos nos educando à taça.
Em
complemento ao cenário acima descrito, a economia brasileira vêm atravessando
recentemente por um período de incertezas e oscilações, e isso reflete-se no
valor do real perante o dólar. Isso impacta diretamente no volume de
importações de vinhos, mas faz com que passemos a levar mais a sério a presença
de um produto em nossa mesa: o vinho nacional. Em qualidade sempre crescente e
com produtores muito sérios por trás de iniciativas promissoras e inovadoras,
nossos enólogos e vinicultores, por vezes com auxílio de profissionais
estrangeiros, vêm estudando e buscando extrair o máximo de qualidade dos nossos
terroirs ainda por descobrir, e
colhendo frutos pelo trabalho competentemente realizado. Um deles, por sinal,
em “território” ainda estranho para o cultivo de Vitis Vinifera: no estado de São Paulo, próximo à divisa com o
estado de Minas Gerais. Trata-se da vinícola Guaspari.
O Produtor
A história
da Guaspari é muito recente, trazendo-nos ao ano de 2001. A família Guaspari,
atuante na área de agronegócios e mineração, identificara uma oportunidade
única: em estudo encomendado para aquisição de uma antiga fazenda de café
(Santa Inês) na região de Espírito Santo do Pinhal, município que dista cerca
de 200 km
da capital paulista e a poucos minutos da divisa com Minas Gerais, mapearam um terroir bastante apropriado para a
produção de vinhos. Altitudes de até 1300 metros , boa
insolação, amplitude térmica elevada (até 15º C), solo à base de granito e de
boa drenagem: características muito semelhantes a de grandes regiões
vitivinícolas do mundo, como o Dão, em Portugal, ou o norte do Vale do Rhône,
na França. Também pesou na aquisição da propriedade a sua semelhança física com
a Toscana, região da Itália da qual a família guarda suas origens.
Adquirida a propriedade em 2002,
inicia-se a fase de estudos das melhores variedades de Vitis Vinifera a serem plantadas, o “treinamento” das videiras
(direcionamento dado pela equipe técnica - agrônomos e enólogos - às plantas, a fim de que evoluam para
absorver o máximo do solo e clima da região, bem como proteger das pragas e
doenças as quais a videira pode estar suscetível), a utilização de tecnologias
e soluções inovadoras (como a dupla poda), etc. No entanto, somente em 2006
seriam efetivamente plantadas as primeiras videiras, essencialmente cepas “francesas”.
E em 2008, após a conclusão da construção da vinícola, surge, de forma
artesanal, seu primeiro vinho.
Detalhes da sede da
vinícola Guaspari, que mesclam o estilo das antigas fazendas de café da região
da Serra da Mantiqueira com toque paisagísticos que remetem à Toscana (como as
oliveiras da última foto), região de origem da família.
Uma das
inovações trazidas pela Guaspari foi a colheita realizada no inverno, uma vez
que o clima é mais propício para esta atividade nesta época, dadas as
características climáticas da região, muito semelhantes às de outros locais do
mundo de grande reputação vinícola, e somente é possível graças a chamada dupla
poda: uma realizada quando da colheita, para manter a sanidade da planta antes
de sua dormência, e outra de produção, a fim de que a planta concentre seus
esforços na qualidade dos frutos, e não tanto na produção de folhagem.
Sobre a dupla poda, segue a explanação da enóloga da
vinícola, Flávia Cavalcanti:
“Dupla-poda é um sistema de produção que
consiste na inversão do ciclo da videira para produção de uvas no período de
inverno, de forma a evitar os excessos de chuvas que ocorrem verão e as
elevadas temperaturas, assim na época de produção (inverno) tem-se dias
ensolarados, noites frias e sem precipitação, com ótima amplitude térmica entre
o dia e a noite e uma umidade de solo que permite um estresse hídrico moderado
ideal para o bom amadurecimento das uvas para produção de vinhos de qualidade.
No sistema dupla poda, são realizadas duas podas: a primeira poda de formação
dos ramos produtivos e uma segunda poda de produção. A poda de formação dos
ramos é executada em meados de agosto com poda curta (duas gemas). Nesse ciclo,
todas as inflorescências são eliminadas para evitar um desgaste da planta.
A partir do mês de janeiro, quando os sarmentos já
estão lignificados, é realizada a poda de produção dos ramos. Nesse ciclo, as
videiras brotarão por volta de 10
a 12 dias após a poda, a florada ocorre no final de fevereiro,
o fechamento do cacho no final de março, a maturação inicia-se em meados a
final de abril, para colheita em final de junho a início de agosto. Logo após a
colheita a videira repousa em torno de 30 dias para iniciar um novo ciclo de
formação de ramos.
Nessa região onde encontra-se a Vinicola Guaspari, a
poda de produção é realizada no mês de janeiro e fevereiro, isso porque temos
que aproveitar final do verão onde ainda há água no solo e dias quentes para
brotação das parreiras.”
Dados os
“degraus” de altitude da região e, embora o macroclima seja continental, os
mais de 50 hectares
de vinhedos possuem seus “terroirs” particulares, os quais as cepas plantadas
encontraram microclimas bastante favoráveis: assim, a cerca de 900 metros de altitude e
uma retenção um pouco maior de água no solo, cepas brancas como a Sauvignon
Blanc encontraram um bom “lar” para expressar sua tipicidade e a da região. A
partir de 1100 metros ,
com a maior incidência de sol e menor retenção de água, a cepa tinta Syrah
demonstrou (e vêm demonstrando) qualidade comparável a excelentes vinhos desta variedade
produzidos no exterior.
Para o
processo de vinificação, os investimentos também foram altos, porém notadamente
bem gastos: além das tradicionais barricas de carvalho francês de reputados
toneleiros e uma quantidade considerável de tanques de aço inoxidável, há um
“ovo” de concreto, utilizado para fermentação dos seus varietais de Sauvignon
Blanc.
Vinhedo de Sauvignon
Blanc
Barris de carvalho
francês.
Entre os
profissionais contratados pela vinícola e responsáveis por este esmerado
esforço despendido, encontram-se o enólogo sênior Gustavo Gonzalez, americano que já atuou com grandes produtores
como o também americano Robert Mondavi e a italiana Tenutta dell’Ornellaia, o
enólogo chileno Cristian Sepúlveda,
com passagem por diversas vinícolas chilenas, americanas e francesas, bem como
a nacional Miolo; a enóloga Flávia
Cavalcanti, que possui em seu currículo passagens pela portuguesa Herdade
do Esporão e as nacionais Casa Perini e Miolo; o agrônomo português Paulo Macedo e o também agrônomo Otávio de Luca (residente), estes
últimos da equipe de “campo” da vinícola. Este que vos escreve conversou com
Flávia e Cristian recentemente, e pôde constatar o entusiasmo com que trabalham
pela vinícola, bem como saber de alguns projetos vindouros, os quais
detalharemos adiante.
Da esquerda para a
direita: este blogueiro que vos escreve, sua esposa e Flávia Cavalcanti,
enóloga responsável.
Um terroir promissor. Uma equipe talentosa
e muito motivada. Processos inovadores. E paixão pelo vinho. Inevitavelmente,
quando os produtos da vinícola chegaram às mesas de reputados formadores de
opinião do mundo do vinho, suas qualidades foram ressaltadas:
“Um tinto forte, com legítimo DNA paulista, mastigável, com
camadas sobre camadas de sabores. Além da tipicidade, vai recompensar quem
tiver paciência de guardá-lo por alguns anos, mas pode ser degustado já, eis
que seu perfil moderno possibilita esse desiderato. Se numa de suas primeiras
safras revelou seu potencial, imagine daqui alguns anos.” – Jeriel da Costa (Blog
do Jeriel), sobre o Vista do Chá, safra 2012
“um vinho Paulista de nível
internacional. Acho que o melhor Syrah brasileiro é seu Vista do Chá” – Didu
Russo
“Maravilhoso”
– Steven Spurrier, revista Sommelier
Recentemente,
o seu varietal da cepa Syrah Vista do Chá (safra 2012) ganhou Medalha de Ouro
no concurso Decanter World Wine Awards,
e o seu também varietal de Syrah Vista da Serra (safra 2012), a Medalha de
Bronze no mesmo concurso, e foi Medalha de Prata no concurso “Syrah du Monde 2015” .
O futuro parece sorrir para a vinícola Guaspari, que deve
apresentar novos rótulos nos próximos meses: além dos já citados tintos Vista
do Chá e Vista da Serra, seu Sauvignon Blanc e um Rosé de boa qualidade, uma
linha de vinhos de entrada , o Vale da Pedra – tinto (base de Syrah) e branco
(base sauvignon Blanc), um Chardonnay e um Viognier (ainda sem data prevista
para lançamento), bem como um corte bordalês (avaliação neste post) devem ganhar as prateleiras.
Estaria a Guaspari moldando uma Denominação de Origem no estado de São Paulo? Qualidade e competência do produtor não faltam.
Seu Legado
Para uma
vinícola tão jovem, falar em legado talvez possa parecer prematuro ou mesmo
presunçoso. Mas não no caso da Guaspari: não bastasse a sofisticação, inovação
e esmero no seu processo produtivo, somente o fato de conseguir produzir um
“vinho fino” em uma região tida como “incomum” para tal já justificaria seu
lugar na história do vinho brasileiro. A qualidade e reputação já adquiridos
somente reforçam tal legado.
Vinícola Guaspari.
Vinho Avaliado: Guaspari
Sauvignon Blanc 2013
Análise Visual:
Visual límpido, de baixa intensidade,
apresentando borda aquosa e núcleo amarelo palha;
Análise Olfativa:
Aromas de boa qualidade, de média
para alta intensidade. Aromas primários, cítricos e algo de maracujá. Toque
floral. Interessante untuosidade;
Análise Gustativa:
Seco, bem ácido, sabor de
intensidade média para alta, lembrando maçã verde e frutas brancas em geral.
Corpo médio para alto, álcool médio, ótima persistência.
Considerações Finais:
De boa tipicidade quanto à cepa e
qualidade, e algo untuoso, muito interessante. Pronto para beber.
Pontuação: 90 FRP
Vinho Avaliado: Guaspari
Rosé 2015 (Cepa: Syrah)
Análise Visual:
Visual límpido, de média
intensidade. Sua borda é incolor, com núcleo róseo pendendo para o vermelho;
Análise Olfativa:
Aromas de boa qualidade e média intensidade.
Primários, remetendo a frutas vermelhas. Toques florais muito agradáveis,
também algo mineral;
Análise Gustativa:
Seco, de acidez média para baixa e
sabor idem. Sabor de fruta compotada. Equilibrado em corpo e persistência;
álcool médio para baixo.
Considerações Finais:
Jovial e
leve, com a “assinatura” da Syrah presente: muito bem feito. Pronto para beber.
Pontuação: 88 FRP
Vinho Avaliado: Guaspari
Syrah / Vista da Serra 2012
Análise Visual:
Visual límpido, de média
intensidade. Sua borda é rubi claro, com núcleo rubi escuro, de boa
profundidade;
Análise Olfativa:
De ótima qualidade e média para alta
intensidade, de caráter predominantemente secundário: baunilha, café, caramelo
e fruta negra madura bem presentes;
Análise Gustativa:
Seco, de acidez média para baixa e
taninos equilibrados, bem como sua intensidade de sabor, apresenta fruta negra
amarga, notas defumadas, especiaria na boca. Corpo médio para alto, álcool bem
integrado e excelente persistência.
Considerações Finais:
De
excelente estrutura e tipicidade, ainda a desenvolver por mais alguns anos,
porém já pode ser bebido sem medo. Cheio na boca, imponente. Faz jus aos
prêmios conquistados.
Pontuação: 93 FRP
Vinho Avaliado: Guaspari
Syrah / Vista do Chá 2012
Análise Visual:
Límpido na taça, visual de
intensidade media, apresenta rubi claro em sua borda e mais intenso no núcleo;
Análise Olfativa:
Boa qualidade no nariz e intensidade
aromática média, apresenta caráter secundário: baunilha e caramelo, mas ainda
com toques primários de especiarias e fruta negra;
Análise Gustativa:
Seco, de acidez média para baixa e
taninos equilibrados, apresenta sabor idem, remetendo a condimentos e fruta
negra compotada. Corpo elegante, álcool idem e persistência média para alta.
Considerações Finais:
Elegante,
gostoso e de boa estrutura, um típico Syrah, que pode passar desapercebido como
um rótulo do Velho Mundo. Pronto para beber, mas guardar por mais uns 6 anos
não seria má idéia. Outro rótulo que faz jus às premiações recebidas. Clássico.
Pontuação: 93 FRP
Vinho Avaliado: Guaspari
“Corte Bordalês” 2014 (60% Cabernet Sauvignon – 40% Cabernet Franc – ainda sem
rótulo)
Análise Visual:
Límpido e de média intensidade na
taça, apresenta borda rubi clara e núcleo rubi;
Análise Olfativa:
Aromas de boa qualidade e média
intensidade para alta, apresenta caráter secundário no nariz: eucalipto, menta,
baunilha e ameixa madura bem marcadas;
Análise Gustativa:
Seco e de acidez média para alta na
boca, taninos equilibrados e sabor idem, com muita fruta negra e café. Bem
encorpado e álcool muito bem integrado, persistência muito boa.
Considerações Finais:
Ainda muito
a evoluir, mas já mostrou ótima qualidade. Boa estrutura, uma bela reprodução
do “corte bordalês”: ainda se beneficiará de guarda por uns 8 a 10 anos. Potencial para a
conquista de novos prêmios para a vinícola.
Pontuação: 92 FRP
Fontes:
Vinícola Guaspari:
Blog do Jeriel: A Promissora Vinícola Paulista Guaspari:
Didu Russo: Vinícola Guaspari:
Terroirs: Panorama do Consumo de Vinhos no Brasil:
Tão feliz por você, pelos elogios que recebe e por estar feliz com este blog. Sabe que torço por você e sei que conseguirá tudo que deseja, em especial no mundo dos vinhos.
ResponderExcluirAmo vc
Eu sei. Obrigado por sempre, sempre estar comigo e me apoiar. Amo você também.
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