sábado, 20 de fevereiro de 2016

Guigal





            Krug. Margaux. Romanée-Conti. Nomes que, naturalmente, evocam três dos mais poderosos e míticos vinhos produzidos no mundo e, concidentemente ou não, na França. Oriundos, respectivamente, de Champagne, Bordeaux e Borgonha, são representantes dignos e merecidos de suas regiões. Porém, de algumas décadas para cá, um novo nome vêm se afirmando em uma região também tradicional produtora de excelentes rótulos e, com muita dedicação e merecimento, em breve deve figurar no panteão dos lendários produtores. Seu nome: Guigal. Do Vale do Rhône, região já apresentada por este blog (o que você pode conferir aqui).




Etienne Guigal.



            Uma história iniciada em 1910, com o nascimento de Etienne Guigal, membro de uma família de origem pobre do sul da França. Com o falecimento de seu pai em 1924, Etienne teve de começar a trabalhar. Arranjou um emprego na então poderosa vinícola Vidal Fleury. Foi neste período, em que após 15 anos dentro da empresa tornou-se “Maître de Chai” (uma espécie de supervisor do processo produtivo de uma vinícola: um dos cargos mais importantes possíveis), que Etienne viria a conhecer Marcelle. Esta trabalhava para uma família da nobreza francesa, no Château d'Ampuis. Casaram-se e, em 1946, Etienne fundou sua própria vinícola, a E. Guigal, em Ampuis, no coração da sub-região de Côte-Rôtie.





Domaine Vidal Fleury, nos dias atuais.





O Château d'Ampuis.



            No entanto, em 1961, Etienne ficara completamente cego, o que obrigou o seu filho Marcel, de 18 anos, a assumir o controle da vinícola. Porém, mesmo tão jovem, e sob as orientações de seu pai, Marcel logo mostraria a que veio. Cinco anos depois, a E. Guigal lançou o La Mouline, seu primeiro vinho clássico, um corte majoritariamente de Syrah e pequeno percentual de Viognier. Trata-se de um vinho de produção muito limitada, geralmente a 450 caixas. As cepas (oriundas de vinhas muito antigas) são vinificadas em separado, e amadurecem por cerca de 40 meses em barricas de carvalho novas.



La Mouline.
           
           
           
            Alguns anos depois, Marcel deixaria a Viognier de lado na produção de outro futuro ícone, o La Landonne, um varietal 100% Syrah. As vinhas são mais jovens do que as de La Mouline, e o solo é o ideal para o cultivo da cepa. Por ocupar uma área maior, a produção do La Landonne é estimada em torno de 1000 caixas.




La Landonne.



            Até este momento (meados dos anos 1970), a E. Guigal era uma vinícola consolidada, mas ainda a ter descoberto o potencial de seus vinhos, o que ocorreu quando o renomado crítico americano Robert Parker teve a oportunidade de degustar e avaliar seus vinhos (incluindo os carros-chefe supracitados). Os vinhos de Guigal são, em geral, frutados, oleosos e muito longevos – características muito apreciadas por Parker – e o veredicto dado pelo crítico foi de que aqueles vinhos eram os melhores que até então ele havia provado. Parker concedeu, portanto, notas altíssimas aos rótulos de Guigal, e graças a estes, a Côte-Rôtie passou, a partir de então, a rivalizar em pé de igualdade com as já afamadas denominações Hermitage e Chateauneuf-du-Pape.

            Diante do repentino sucesso de crítica (Landonne e Mouline obtiveram seguidas notas 100 RP nas safras subseqüentes à primeira crítica), Marcel adquiriu, em 1984, o Domaine Vidal Fleury, onde Etienne havia iniciado sua carreira como vinicultor. No ano seguinte, Marcel lançaria seu terceiro icônico vinho, La Turque: de um minúsculo vinhedo, com cerca de 30 anos de idade, surge um corte de 93% Syrah e 7% Viognier, do qual são produzidas anualmente somente 400 caixas.




La Turque.



            Em 1989, morrem Etienne Guigal e sua esposa, Marcelle. Porém, em 1995, o filho de Marcel, Philippe, torna-se o enólogo da vinícola. Em paralelo, Marcel adquire o Château d'Ampuis, onde sua mãe trabalhara quando conheceu Etienne. Desde então, a expansão dos domínios de Guigal pelo Vale do Rhône não parou: hoje possuem vinhedos em quase todas as sub-regiões, inclusive nas afamadas Hermitage e Chateauneuf-du-Pape, enquanto seus tradicionais vinhos continuam alcançando notas altíssimas da crítica especializada – e, consequentemente, preços também altíssimos.




Marcel e Philippe Guigal.
  


            Krug. Margaux. Romanée-Conti. Guigal.



sábado, 13 de fevereiro de 2016

Marlborough





Vinhedo próximo a Blenheim, maior cidade da região de Marlborough.


            O verão. Época adorada por muitos brasileiros, pelo calor, pela coincidência com o período de férias escolares, pelo Carnaval, pela possibilidade de aproveitar os dias próximos às suas belas praias...

            O Brasil é um dos maiores consumidores absolutos de bebidas alcoólicas, sendo que, dentre estas bebidas, reina a cerveja, dado o seu preço acessível e o grau de penetração das megacervejarias país afora. Consumo este que, em períodos quentes como o verão, aumenta substancialmente. O vinho, dentro do contexto sociocultural brasileiro, ainda possui uma certa aura premium, o que dificulta uma maior presença nas mesas nacionais (exceto pelos espumantes, este com aceitação um pouco mais ampla). Além destes, certamente o vinho branco é um dos que apresenta maiores possibilidades de “conquista de terreno”, tendo como possível e provável carro-chefe os refrescantes e ácidos varietais da cepa francesa Sauvignon Blanc: o Chile já descobriu seu potencial, produzindo ótimos vinhos. Um mercado a ser melhor explorado.

            Esta é a faceta mais conhecida da Sauvignon Blanc. Há outras, porém, relativamente pouco conhecidas no Brasil, as quais demonstram sua versatilidade e “poder”. Além de sua terra-natal, uma região muito distante consegue extrair talvez os exemplares mais poderosos e opulentos desta cepa: a região de Marlborough, na Nova Zelândia.



Sua História

            Não se sabe exatamente quando a ocupação humana iniciou-se na região de Marlborough: acredita-se que no início do século XII os maoris (aborígenes nativos) tenham-se instalado na parte costeira da região, próximos à atual cidade de Blenheim. Viviam do extrativismo da vida marinha e da agricultura, sobretudo do cultivo da kumara (batata doce).




Gravura européia do século XVII contendo as primeiras impressões acerca dos maoris.



            Após uma passagem rápida pelo explorador inglês Abel Tasman pelas ilhas neozelandesas em 1642, estes retornaram à região em 1769, quando o também explorador inglês James Cook mapeou quase todo o litoral do atual país. Após o início da efetiva colonização do território, foi realizada a divisão da ilha em províncias, no ano de 1853. Marlborough, à época, era parte integrante da província de Nelson e, após diversas reivindicações de seus colonos, obteve sua separação em 1859. Nas três décadas seguintes, a descoberta de ouro na região levou a um breve período de boom desenvolvimentista e expansionista da região; porém, foi a introdução da pecuária (ovinos) na região quem garantiu a estabilidade econômica a longo prazo, transformando o local em um dos dois principais criadouros do país (ao lado de Canterbury).




Criação de ovinos em Marlborough.


            Desde a sua colonização até o início dos anos 1970, a cultura da uva na região privilegiava o plantio das variedades americanas, resultando em produtos modestos, dado o potencial do local. Em 1836, foi criada a New Zealand Temperance Society, que, em termos práticos, combateu o consumo de bebida alcoólica de forma análoga ao ocorrido nos EUA quase 100 anos depois. Some-se a este estado de coisas o fato de a filoxera ter chegado ao país por volta de 1895, e o que se viu foi a predominância do plantio de cepas americanas, imunes à praga.




Freeth’s Wine Cellar, 1899.



No entanto, logo o potencial da região e do país como um todo seria devidamente explorado: a Vitis Vinifera fora introduzida, houve um rearranjo dos produtores ao longo da década, e a área cultivada sofreu forte redução de mais de 25%.




Plantio de Sauvignon Blanc, anos 1970.


A região de Malrlborough logo descobriria uma cepa com potencial enorme em seu terroir, a qual geraria vinhos de enorme qualidade e consolidaria a fama de todo o país entre os produtores em nível global: seus varietais da cepa branca Sauvignon Blanc tomaram de assalto o mundo vinícola a partir dos anos 1980, conquistando distinções internacionais, o que tornou os grandes vinhos locais desta casta incrivelmente caros. Atualmente a região goza de grande prestígio, produzindo rótulos de diversas cepas e diversos valores (tendo como referências seus Pinot Gris, Rieslings, Pinot Noirs, Chardonnays e, em menor escala, cepas tintas francesas), porém sempre reputando pela sua ótima qualidade e tendo a Sauvignon Blanc como seu carro-chefe.

           
           
Sua Localização



 Localização do distrito de Marlborough (em vermelho) no território neozelandês.



            Marlborough localiza-se na ilha sul do arquipélago da Nova Zelândia, em sua extremidade setentrional, sendo delimitada ao norte pelo Estreito de Cook, ao sul pelo distrito de Canterbury, a oeste pelo distrito de Nelson (do qual se emancipou em 1859) e a leste pelo Oceano Pacífico. Sua maior e mais importante cidade é Blenheim, com cerca de 31.000 habitantes.





Mapa de Marlborough.



Seu Clima e Solo

Marlborough possui em torno de 62% dos vinhedos neozelandeses. O clima da região é oceânico, marítimo, com grandes variações de temperatura: alta incidência solar durante o dia e noites bastante frescas. A neblina típica das manhãs auxilia a proteção das vinhas perante o sol incessante. Com isso, os níveis de acidez conseguem ser mantidos em níveis bem altos. Em sua costa oriental, as brisas marítimas, em conjunto com a proteção concedida pelas cadeias de montanhas ali existentes, favorecem a formação de um clima ameno e protegido de excesso de chuvas.

O solo da região é predominantemente antigo, profundo, pedregoso e de boa drenagem. A bacia hidrográfica da região, por sua vez, contribuiu para a formação também de bolsões de solos areno-pedregosos, assentado sobre uma camada profunda de cascalho. Ao sul, a argila aparece com mais freqüência, o que favorece, em conjunto com o clima, a produção de tintos da cepa Pinot Noir.



Suas Sub-Regiões




Vinícola Rippon.



            Marlborough é dividida essencialmente em 3 sub-regiões, a saber:

            -           Southern Valleys: no centro de Marlborough, apresenta solo essencialmente de argila e clima frio e seco. Diversas cepas cultivadas, com destaque para a Pinot Noir;

            -           Wairau Valley: mais setentrional, esta sub-região apresenta diversos mesoclimas, desde locais mais secos e frios ao interior até regiões mais frescas, beneficiadas pelas brisas marítimas. Também apresenta diversidade de solos, desde o cascalho e aluvião próximo aos rios como também solos pedregosos e relativamente estéreis. Própria para a produção de vinhos com caráter mais jovem, frutados e encorpados; e

            -           Awatere Valley: ao sul de Wairau, trata-se da sub-região mais bem delineada. De clima frio e seco, e de relevo bastante acidentado, suas vinhas são de rendimento baixo, o que dá origem a excepcionais tintos varietais da cepa Pinot Noir, bem como Sauvignon Blancs de renome internacional.




Suas Castas

            Há um implícito conceito de que Marlborough (e a Nova Zelândia, como um todo) possui um clima semelhante ao da Borgonha, na França e, portanto, as uvas melhores adaptadas a climas mais frios dão origem aos seus melhores vinhos. Não deixa de ser uma verdade parcial: realmente, cepas típicas daquela região francesa encontraram terreno muito propício por aqui, como a branca Chardonnay e a tinta Pinot Noir. No entanto, sem dúvida alguma a cepa mais bem-sucedida na região apresentou um nível de versatilidade que transcende o tipo de clima existente no leste francês.

            Originária da região francesa de Bordeaux, onde são produzidos rótulos primorosos, e posteriormente plantada no francês Vale do Loire, a partir de onde atingiu reputação mundial, a cepa branca Sauvignon Blanc encontrou no macroclima marítimo de Marlborough e em seus solos a condição ideal para exprimir em forma de vinho uma grande mineralidade em seus aromas e sabores, algo que vagamente remete aos grandes vinhos brancos alemães, à base da cepa Riesling. Em outras regiões do mundo, como no Chile (Vale de Casablanca) e em San Rafael (Argentina), seus aromas estão muito mais próximos de frutas carnosas, como maçã ou pêra, diferentemente do Vale do Loire, onde aparecem, além da alta acidez, um caráter defumado que pode ser chamado de “marca registrada” desta região.





Sauvignon Blanc.



            Apesar de relativamente versátil, embora haja clara preferência por climas mais frescos, a Sauvignon Blanc não se adapta bem a climas quentes. O que não ocorre quanto ao tipo de solo: do calcário ao pedregoso, passando pelos argilosos, a Sauvignon Blanc exprime caráter diferente, porém nunca desagradáveis.

            A Sauvignon Blanc, através de cruzamento com a cepa tinta Cabernet Franc, deu origem à também tinta Cabernet Sauvignon. Atravessou a fronteira de sua terra natal pela primeira vez em 1880, chegando à Califórnia: as mudas vieram diretamente do Chateau d’Yquem, produtor dos mais caros (e provavelmente os melhores) vinhos de sobremesa do mundo. Chegaria à Nova Zelândia no século XX, onde atualmente responde por 17.000 há de área cultivada: para se ter uma noção da hegemonia desta cepa na região, a Pinot Noir, segunda cepa mais cultivada em Marlborough, ocupa somente 2.000 há de área cultivada!

            Além das 3 cepas citadas acima, também possuem relevância os vinhedos das cepas brancas Pinot Gris, Riesling, Gewürztraminer e Viognier; há discretas plantações das cepas tintas Syrah e Tempranillo.




Seus Principais Produtores

            Seguem nomes de alguns dos mais renomados produtores de Marlborough:


  • Allan Scott;
  • Astrolabe;
  • Ata Rangi;
  • Auntsfield;
  • Awatere River Wine Company;
  • Barkers Marque;
  • Bladen Wines;
  • Blind River;
  • Bouldevines;
  • Brancott Estate;
  • Catalina Sounds;
  • Charles Wiffen Wines;
  • Churton;
  • Clark Estate;
  • Clifford Bay;
  • Clos Henri;
  • Cós Marquerite;
  • Cloudy Bay;
  • Crowded House;
  • Darling Wines;
  • Dog Point Vineyard;
  • Fairbourne Estate;
  • Folium Vineyard;
  • Forrest Estate;
  • Foxes Island Wines;
  • Framingham Wines;
  • Fromm Winery;
  • Drylands Wines;
  • Eradus Wines;
  • Georges Michel Wine Estate;
  • Gibson Bridge;
  • Giesen Wines;
  • Herzog Estate;
  • Harwood Hall;
  • Highfield;
  • Huia Vineyard;
  • Hunters Wines;
  • Isabel Vineyards;
  • Jackson Estate;
  • Johanneshof Cellars;
  • Jules Taylor Wines;
  • Konrad Wines;
  • Lake Chalice Wines;
  • Lawson’s Dry Hills;
  • Marisco Vineyards;
  • Maven Wines;
  • Mount Fishtail;
  • Mount Riley;
  • Mud House;
  • Nautilus Estate;
  • Omaka Springs Estate;
  • Opawa Wines;
  • Oyster Bay Wines;
  • Red Deer Wine;
  • Ribbon;
  • Summerhouse Wines;
  • Rock Ferry Wines;
  • Saint Clair;
  • Sileni Estates;
  • Southbank Estate;
  • Stanley Estate;
  • Tupari Wines;
  • Vavasour Wines;
  • Villa Maria Estate;
  • Whitehaven;
  • Yealands Estate;
  • Staete Landt;
  • Two Rivers;
  • Wairau River Wines.





Vinho Degustado: Peter Yealands Pinot Gris 2013 (Awatere Valley, Marlborough)





                        
            A Yealands Estate é uma premiada vinícola neozelandesa que prima pela produção sustentável de vinho. Premiada em 2014 como a “Vinícola do Ano” no país. Criada em 2008 pelo polivalente Peter Yealands, ele já realizou de tudo um pouco na vida: foi tosador de ovelhas, montou uma empresa de construção civil, foi um dos pioneiros em seu país na indústria de mexilhões e, desde 2008, trabalha com vinhos. Seus produtos vêm gradativamente ganhando prêmios nacionais e internacionais.

            O rótulo avaliado é um varietal da cepa branca Pinot Gris, uma das castas mais bem-sucedidas no país, e foi merecedor de elogios da crítica especializada do país, quando do lançamento. Ao vinho:


Análise Visual

Visual límpido, baixa intensidade, borda incolor, núcleo amarelo palha;


Análise Olfativa

Aroma de média intensidade, primário, de nozes, pêra, fruta de caroço e algo de mel;


Análise Gustativa

Seco, de média acidez, sabor de média intensidade de mel e fruta , corpo médio, álcool médio para alto, persistência boa.


Considerações Finais

Elegante, equilibrado, com certo dulçor. Boa companhia para carne suína magra e peixes oleosos, bem como peru e faisão assados.


Pontuação: 89 FRP



Fontes:

Revista Adega:

New Zealand Wine: