domingo, 20 de agosto de 2017

Tokaj












 Vinhedos da Hétszőlő.





            A associação entre o vinho e a nobreza é uma constante na História. Algo que acompanha a Humanidade desde os tempos medievais, quando o Cristianismo "apropriou-se" da bebida, associando-a ao sangue de Cristo. Nesta época a Igreja Católica, de mãos dadas com os mais abastados, desfrutava de enorme poder e prestígio e, acompanhando a apropriação cultural e mesmo gastronômica de diversos hábitos da Antiguidade, o vinho tornou-se desde então algo mais associado à aristocracia, a um certo "status" social. Felizmente, e talvez acompanhando o declínio do poder político e econômico da instituição, o vinho aos poucos foi retornando à mesa da população em geral, embora dificilmente vá chegar aos níveis de aceitação e consumo vividos em Atenas, Roma, etc, por questões sejam culturais, econômicas... embora mantenha um "nicho" ainda ligado às classes mais altas.


          Uma "prova" desta relação da bebida é a reputação, ao longo dos anos, que certos vinhos desfrutaram junto aos monarcas e nobres: é notória a predileção pelos ingleses dos grandes vinhos fortificados da Península Ibérica e os superlativos Champagnes, assim como a família Habsburgo e os fabulosos vinhos brancos produzidos em um dos recantos do seu império, na atual Alemanha. A França, naturalmente, com sua longa tradição vinícola e contando com uma nobreza/realeza secular, possui diversos exemplos. Os tintos de Hermitage e os grandes Pinots borgonheses sempre foram, ao longo das décadas, presença preferencial nas mesas dos reis. Também é natural imaginar que, contando com um dos estilos de vinhos de sobremesa mais apreciados do mundo (o Sauternes) este também fosse uma constante nos grandes banquetes reais do país. No entanto, para a maioria dos monarcas europeus (inclusive os franceses), não havia vinho doce capaz de sobrepujar a qualidade e imponência do húngaro Tokaji.



Sua História



            Não se sabe ao certo quando surgiram as primeiras vinhas na região de Tokaji: são conhecidos relatos existentes desde a época do Império Romano, quando a região recebia a denominação de Panônia. A vinicultura foi mantida pelos povos eslavos, que sucederam aos romanos na região, e acredita-se que daí venha o nome da região: Tokaj significaria a confluência dos rios Bodrog e Tisza, que cruzam o local.






Confluência dos rios Bodrog e Tisza.



            Na Alta Idade Média, a região fora ocupada pelos magiares (húngaros) oriundos do leste. Há uma lenda desta época em que o então líder deste povo, Álmos, e seu filho, Árpád, chegaram a Tokaj e constataram haver uma florescente vinicultura. Turzol, o mais destemido dos cavaleiros de Árpád, que avistara primeiro os vinhedos, foi premiado com a maior parte daquela região. Ergueu-se a vila de Turzol (hoje Tarcal) a qual fora saqueada e vandalizada, juntamente com toda a região, em 1241 com a invasão dos tártaros vindos da Ásia. As vinhas foram destruídas, e a região só retomou seu desenvolvimento após a expulsão destes pelo Rei Béla IV.






Rei Béla IV (1206-1270).


  


            Béla IV atraíra diversos povos europeus para re-colonizar Tokaj, em especial povos latinos. Uma das aldeias fundadas, Bári, contou com italianos os quais trouxeram diversas tradições vitivinícolas bem como a principal variedade da cepa Furmint. No século XVI, no entanto, a região foi conquistada pelos turcos otomanos, os quais manteriam a região sob seu domínio por 170 anos. Datam desta época muitas das atuais caves, as quais foram construidas com o intuito de servirem como esconderijo dos muçulmanos ou mesmo propriedades dos soldados do Império Otomano.








Mapa do Século XVI da cidade de Buda, capital húngara do Império Otomano.





            Em 1620, o imperador trouxe da França um enólogo chamado Duvont, o qual criaria, anos mais tarde, o processo de vinificação do vinho Tokaji (oriundo de Tokaj). O produto, aos poucos, adquiriu grande fama Europa afora, motivo pelo qual Duvont obteve grande reconhecimento: sua família foi "tornada" nobre por obra e graça do imperador e Duvont receberia a aldeia de Kiralyfalva como presente. Hoje, Kiralyfalva é a cidade de Königsdorf, na Áustria. Os lucros obtidos na comercialização do vinho ajudaram a custear esforços de guerra dos príncipes da região da Transilvânia contra os Habsburgo, família que dominava diversas regiões do continente. 


             Em 1703, o príncipe Francisco II da Transilvânia, em visita ao Rei Luis XIV da França, presenteou este com diversas caixas contendo garrafas de Tokaji. A frase proferida por Luis ao provar o vinho ("vinhos dos reis, rei dos vinhos") selara definitivamente sua reputação. As exportações, já altas, aumentaram exponencialmente: Polônia e Rússia eram os maiores mercados importadores, e este último chegou mesmo a manter uma "colônia" na região a fim de garantir o fornecimento do vinho para a nobreza russa. No entanto, em 1795 a Polônia sofrera uma cisão, e foram criadas taxações ao produto importado, o que causou a redução das importações e o início da crise na região. Décadas mais tarde, a praga da filoxera, pulgão que devastou as plantações de videira no século XIX, daria sua contribuição ao declínio de Tokaj.


            No início do século XX, a Hungria era parte integrante do Império Austro-Húngaro, comandado pela dinastia dos Habsburgo. Envolvida, portanto, na Primeira Guerra Mundial ao lado dos turcos otomanos e da Alemanha, a Hungria perdera a guerra e, com a dissolução do Império, ganharia sua independência, ao mesmo tempo em que assistiria à perda de alguns dos seus territórios. Reduzida a um terço do que era no pré-guerra, a nação veria Tokaj ser dividida com a Tchecoslováquia, condição revertida em 1944 e novamente surgida após este ano. Hoje, embora hajam vinhas que produzam Tokaji na Eslováquia, a fama do vinho provém quase que exclusivamente da produção oriunda da Hungria.



           


Sua Localização








Mapa da região de Tokaj e sua localização em território húngaro.




            Tokaj localiza-se a nordeste do território húngaro, fronteiriço à Eslováquia, no leste europeu. Banhada pelos rios Tisza e, sobretudo, Bodrog, a região dista 230km da capital Budapeste. Há um pequeno "trecho" eslovaco da região, no sudoeste deste país.





Seu Clima e Solo








Vinhedos de István Szepsy.


  


            Em Tokaj predomina o macroclima continental, de poucas chuvas e bastante ensolarado, o que favorece a podridão nobre (processo em que a uva sofre os efeitos do fungo Botrytis Cinerea em seus frutos de forma benéfica, concentrando açúcares). A proximidade dos rios Bodrog e Tisza, aliada às estações bem definidas (invernos rigorosos, verões quentes) também favorecem o seu desenvolvimento.

             Em seu solo essencialmente vulcânico também é possível encontrar muita argila, retentora de umidade e que obriga as videiras a expandirem suas raízes mais profundamente em busca de nutrientes, o que se reflete na qualidade das uvas ali plantadas.





Suas Sub-Regiões







Sede da vinícola Disznókó.



Tokaj não possui sub-regiões. 

Suas Castas


            A fama de Tokaj deve-se aos seus vinhos doces de sobremesa, produzidos a partir de cepas brancas. Também são produzidos vinhos brancos secos, e tanto estes quanto aqueles são, essencialmente, varietais ou blends das cepas Furmint, Hárslevelü e Muscat, porém uma gama de uvas autóctones húngaras estão autorizadas a participar do corte.
  

            Difundida em todo o leste europeu e na Áustria (onde é conhecida como mosler), a cepa Furmint foi amplamente cultivada na Hungria quando da recolonização da região de Tokaj pelo Rei Béla IV. Sua origem é incerta: acredita-se que tenha vindo da região da atual Sérvia, ou mesmo trazida pelos italianos que recolonizaram a região no século XVII. De brotação precoce e maturação tardia, sua casca afina-se conforme a maturação do fruto. Seu nome deriva do francês froment, que significa trigo, uma alusão à sua casca dourada.



Furmint.



            Já a Hárslevelü é a principal acompanhante da Furmint no corte dos vinhos doces de Tokaj. Originária dos Cárpatos (cadeia de montanhas que se estende por todo o leste europeu), seu nome significa “limeira” em húngaro, dada a coloração da uva, semelhante a de uma lima. Contribui com “peso” e volume no corte dos vinhos doces.



Hárslevelü.



            A família de uvas muscat é imensa e possui variedades tanto tintas quanto brancas. Não se sabe ao certo sua origem: é empregada em todo o mundo para a produção de vinhos brancos secos, fortificados, espumantes e vinhos de sobremesa, como o Tokaj. Sempre muito aromática, é uma das poucas cepas viníferas que apresenta aromas de... uva! Para a produção do Tokaji, em geral é utilizada a subvariedade Muscat de Lunel.



Muscat de Lunel.




Complemento: Método de Produção do Tokaji


            O Tokaji têm como base de sua produção um vinho seco, simples, a base de Furmint ou Hárslevelü. Porém, boa parte do vinhedo é avaliada quanto à possibilidade de maturação tardia dos seus frutos. Estes são deixados por mais tempo, até que sejam “atacados” pelo fungo Botrytis Cinerea, responsável pela chamada “podridão nobre”: o fungo “fura” a casca da uva e absorve a água nela contida, deixando os açúcares e partes sólidas. É necessário dizer, no entanto, que há condições específicas e que há um controle por parte do produtor para que o excesso de umidade não se transmute na “podridão cinzenta”, causada pelo mesmo fungo, porém de efeito unicamente danoso.



Bagas atacadas pelo fungo Botrytis Cinerea.



            Colhidas as uvas “botrytizadas”, estas são mantidas em cestas com capacidade de 20 a 25kg chamadas puttonyos: quanto mais puttonyos estiverem contidos nos recipientes de 136 litros chamados gönc junto ao vinho base, maior o seu teor de açúcar e consequente doçura. O vinho então permanece em maturação em barricas de carvalho, antes do engarrafamento e mais um período de guarda, antes de ganhar o mercado.



Puttonyo.



            Classificação dos vinhos Tokaji considerando o nível de açúcar residual (não fermentado):

 Aszú 3 Puttonyos - 60 a 90 g de açúcar residual (não fermentado) por litro
Aszú 4 Puttonyos - 90 a 120 g de açúcar residual por litro
Aszú 5 Puttonyos - 120 a 150 g de açúcar residual por litro
Aszú 6 Puttonyos - 150 a 180 g de açúcar residual por litro
Aszú Eszencia - 180 a 450 g de açúcar residual por litro
Tokaji Eszencia - 450 a 850 g de açúcar residual por litro



Seus Principais Produtores


            Seguem nomes de alguns dos principais produtores de Tokaji:

  • Oremus (propriedade da espanhola Vega Sicília);
  • Royal Tokaji Wine Co.;
  • Chateau Dereszla;
  • Pendits;
  • Disznókö;
  • Hétszöló;
  • Andrássy;
  • Evinor;
  • Királyudvar;
  • Chateau Pajzos;
  • István Szepsy;
  • Tokaj Classic;
  • Úri Borok.



Vinho Degustado: Pendits Tokaji Aszú 6 Puttonyos 2004






           A Pendits é uma vinicola pequena e bastante tradicional da região, e possui somente 8 hectares, dedicados à produção de Tokaji e um vinho branco Seco à base de Furmint. Foi uma das pioneiras a utilizar preceitos biodinâmicos na produção de vinhos, na região, sendo bastante reconhecida por tal. 



Análise Visual

Límpido, de média intensidade na coloração, aquoso em suas bordas e âmbar no núcleo;


Análise Olfativa

De ótima qualidade e alta intensidade, terciário. Mel, própolis, doce de laranja em profusão;


Análise Gustativa

Doce, de média acidez, sabor pronunciado, com mel e notas cítricas destacadas. Encorpado, de álcool discreto, persistência longa na boca.


Considerações Finais

        Ótima qualidade, pronto para consumo. Dulcíssimo, untuoso, cheio: imponente. Boa tipicidade. Creme brulée, apfelstrudel são dicas de harmonização. 


Pontuação: 95 FRP






Vinho Degustado: Chateau Dereszla Aszú 5 Puttonyos 2003






Uma das mais tradicionais casas da região de Tokaji, o Chateau Dereszla existe desde o século XV: em um registro da adega do então Rei Zsigmond constam vinhos da vinícola, os quais eram pagamentos de tributos dos camponeses à realeza - um hábito da época, na região. Após a invasão turca, o Chateau caiu nas mãos dos Habsburgo. Desde o século XVII a propriedade é administrada pela família Rákóczi. Em 2000, o Chateau Dereszla foi adquirido pela família D'Aulan, de Champagne, a qual modernizou a propriedade e a relançou. Ao vinho:


Análise Visual:

Límpido e de alta intensidade, apresentou-se dourado em seu halo e âmbar em seu núcleo;


Análise Olfativa:

Aromas terciários de alta intensidade, com muito mel e geléia de laranja;


Análise Gustativa:

Doce, de baixa acidez e sabor intenso de mel e cítrico. Bom corpo, alcool quase imperceptível e persistência imensa.


Considerações Finais:

            Volumoso, dulcíssimo, aromático e incrivelmente persistente: a beber agora ou até 5 anos. Doces a base de massa e chocolate amargo são dicas de harmonização.


Pontuação: 94 FRP



Fontes:

Tintos e Tantos:
http://www.tintosetantos.com/index.php/conhecendo/ahistoriadovinho/230-o-rei-dos-vinhos-o-vinho-dos-reis 

Chateau Dereszla:
http://http://www.dereszla.com/ 

Wikipedia: